domingo, 23 de agosto de 2009

Leia a bula

- É preciso ir ao médico.

Eu concordei de imediato já que 15 dias de gripe em tempos suínos são motivos de sobra pra visitar o doutor.
Mas eu não conheço um. Não sou daqui, nunca fui e logo deixarei pra trás o pouco que tentei.
Ele também não sabe de ninguém.
Mas a gente tem juntos, na gaveta embaixo da TV, um guia do plano de saúde.
Ele se irritou logo na primeira tentativa, é que neste mês não podiam me ver e no mês que vem eu é que não sei.
Eu insisti antes que meu nariz derretesse e sumisse em meio às bolas de papel espalhadas por toda a casa.
Consegui na primeira. Estava salva.
Às 10 e 15 fui me consultar.
Logo de cara vi duas paredes enormes repletas de diplomas, certificados e frases que faziam do meu médico o cara certo para os meus problemas.
Na parede que sobrava tinha Jesus, e eu que gosto do Cara fiquei feliz e surpresa que o doutor também simpatizasse.
No balcão tinha um gnomo, um anjo, um sabonete Ing Yang e uma mini fonte ligada à tomada que jorrava água sem parar.
O barulho me irritou, mas sabendo que esse efeito era indesejado fechei os olhos e fingi mergulhar.
Na mesa tinha Nossa Senhora, apostilas do Kumon, e dicionário médico.
Ele anotava tudo o que eu dizia numa folha arrancada de um caderno brochura de tamanho pequeno.
Me prescreveu dois remédios. E disse que eu já estava sarando.

O primeiro que tomei foi bem aceito.
O segundo me deu taquicardia por uma noite e meia manhã.
Suspendi por conta pra evitar os riscos.

Minha cabeça não dói mais e meu nariz continua escorrendo feito aquela fonte irritante do consultório médico.
Já arranquei dele toda a pele superficial e bem na ponta ele esfarela tal como o rosto daquelas peruas que passam por tratamento estético.

Sigo rezando, dando maçã pro gnomo, me entupindo de comprimidos e rindo de minha própria tristeza.

E eu que só queria um domingo de sabor e cheiro enfio goela a dentro um chá com gosto de água morna.