segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

...lá onde moro que eu me sinto bem...

Eu não tenho casa.
A casa da gente é onde a gente mora.
Onde moro não é minha casa.
Logo terei minha casa.
Por enquanto moro na casa de alguém.

Aqui onde moro é minha casa também.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Balanço

Peso menos
Tenho mais
Ganho menos
Preciso de mais

Menos choro
Mais gargalhadas
Menos distância
Mais atrapalhada

Uma grande perda
Dezenas de grandes achados
Um pequeno desencontro
Dois super encontros firmados

Mais amor
Menos ressentimento
Mais idéias
Menos tempo

Muito mais
Pouco menos

E mais.

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Mais um Natal Feliz.
Para TODOS nós.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Olfato

Eu gosto mesmo é do cheiro da terra molhada que invade aos poucos os cômodos do apartamento, assim fresco, lembrando a gente de olhar pra fora, de sentir o tempo.
Gosto de pensar que um dia ainda volto na velha casa, e me sento em meio às plantas do nosso jardim só pra enfiar os dedos na terra vermelha, encardindo as unhas de um marrom infantil, segurando na ponta dos dedos o tatu bola que morava ali, ouvindo o barulho dos outros enquanto escutava meu próprio silêncio.
Eu queria mesmo é achar mais um tesouro daqueles, só mais um. Do tipo que encontrava no meio da grama, perdido por mim uma semana atrás, tão esquecido que quando aparecia denovo em minhas mãos eu tinha a indescritível sensação da descoberta.

Ainda que distante, longe daquele tempo em que as horas custavam passar, eu me contento com o cheiro.

Aquele perfume que fez a noite de ontem me abraçar.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Amanhecer

De manhã a gente se enrosca no nosso bom dia e acaba atrasado para o trabalho,
E é bem naquele instante que eu me lembro do motivo
Das razões para estarmos ali, um deitado ao lado do outro
Gastando o tempo ao nosso favor
Combinando a rotina desejateitada que tentamos endireitar para o nosso próprio bem

É ali que eu encho os pulmões de amor
E refresco de ar o coração em chamas
Pra passar mais umas horas sem te ver
Esperando a gente se encontrar
Pra te contar o que fiz
E o que quero fazer depois que a gente deitar

De manhã a gente ganha tempo pra perder logo depois
E entrega um tanto de nós mesmos
Pra impregnar o outro de paz
De sossego.

Amanhã é outra manhã de nós dois,
Por hoje boa noite.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Lê: Mudada

Quando a gente muda é quase ano-novo
Mas é melhor, porque a mudança acontece do lado de fora antes que a gente desista por dentro
E depois de virar a vida de ponta cabeça resta apenas colocar de pé tudo o que ficou combinado
Ou então a gente descombina tudo aquilo porque depois de trocar de lado, o planejado fica meio sem sentido
E a coisa toda flui sem que a gente use muita força

Quando a gente muda é uma festa
Que acaba quando a gente reconhece no novo o habitual
Ou às vezes um pouco cedo demais, quando o dinheiro some antes que a gente trabalhe outra vez
O que era velho recebe uma importancia estranha
E a novidade chega sem bater na porata da casa onde moro agora
É preciso organizar-se, mas a vontade é mesmo esculhambar.

Pra fazer diferente.

Quando a gente muda trás um tanto de coisa inútil
Aquelas que não temos coragem de jogar fora
Coisas que são só coisas
E que diante de tanta reviravolta ficam sem lugar.
Quando isso acontece de verdade é fácil estranhar-se, esquecer-se
Mas também acontece da gente se admirar
E eu estou aqui, enlouquecida comigo mesma.

Mudada do vinho pra água.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Franciéle


Ela é assim mesmo, com acento, aguda.
Fran não é só uma menina cheia de porquês
É também uma mulher de respostas confusas
Um gigante de 17 anos e 1,67m de altura
Um furacão.

Franciéle é a melhor amiga que fiz aqui
Mesmo que às vezes a gente fique tão distante
Separadas pelos muitos números que existem entre nós
A grande menina é capaz de entender gestos, ler olhares e decifrar palavras soltas
E se faz entender facilmente por suas sobrancelhas inquietas e seu bico revelador.

Ela é linda. De todos os ângulos.
E vai ser mais, eu sei.
Vai daqui para a Itália, conhecer, viajar
Executar seu plano feliz.

Fran se mija de rir.
E ri de mijar.
E a gente ri com ela porque ela não dá outra opção.
Franciéle é minha alegria das 13:00h às 21:00h, todos os dias.

E agora que mais uns números, dessa vez em quilômetros, vão nos separar
Eu sinto um aperto no peito, um começo de saudade
Mas sei que levo dela sua melhor parte
O pedaço que fez de mim uma adulta mais leve,
Seu ar de juventude, seu cheiro de frescor
Sua vontade de ser e crescer.

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Eu vou me "afinar" sempre que lembrar.
E vou me lembrar sempre.

domingo, 23 de agosto de 2009

Leia a bula

- É preciso ir ao médico.

Eu concordei de imediato já que 15 dias de gripe em tempos suínos são motivos de sobra pra visitar o doutor.
Mas eu não conheço um. Não sou daqui, nunca fui e logo deixarei pra trás o pouco que tentei.
Ele também não sabe de ninguém.
Mas a gente tem juntos, na gaveta embaixo da TV, um guia do plano de saúde.
Ele se irritou logo na primeira tentativa, é que neste mês não podiam me ver e no mês que vem eu é que não sei.
Eu insisti antes que meu nariz derretesse e sumisse em meio às bolas de papel espalhadas por toda a casa.
Consegui na primeira. Estava salva.
Às 10 e 15 fui me consultar.
Logo de cara vi duas paredes enormes repletas de diplomas, certificados e frases que faziam do meu médico o cara certo para os meus problemas.
Na parede que sobrava tinha Jesus, e eu que gosto do Cara fiquei feliz e surpresa que o doutor também simpatizasse.
No balcão tinha um gnomo, um anjo, um sabonete Ing Yang e uma mini fonte ligada à tomada que jorrava água sem parar.
O barulho me irritou, mas sabendo que esse efeito era indesejado fechei os olhos e fingi mergulhar.
Na mesa tinha Nossa Senhora, apostilas do Kumon, e dicionário médico.
Ele anotava tudo o que eu dizia numa folha arrancada de um caderno brochura de tamanho pequeno.
Me prescreveu dois remédios. E disse que eu já estava sarando.

O primeiro que tomei foi bem aceito.
O segundo me deu taquicardia por uma noite e meia manhã.
Suspendi por conta pra evitar os riscos.

Minha cabeça não dói mais e meu nariz continua escorrendo feito aquela fonte irritante do consultório médico.
Já arranquei dele toda a pele superficial e bem na ponta ele esfarela tal como o rosto daquelas peruas que passam por tratamento estético.

Sigo rezando, dando maçã pro gnomo, me entupindo de comprimidos e rindo de minha própria tristeza.

E eu que só queria um domingo de sabor e cheiro enfio goela a dentro um chá com gosto de água morna.

domingo, 16 de agosto de 2009

Inversão

"amava as coisas e usava as pessoas"
Que pobre essa menina.

No meio tempo

Falta tão pouco tempo
E enquanto falta ela organiza o que resta
Se enche de tarefas
E, surpresa, é capaz de cumpri-las
Agora tem prazos, cumpre horários, negocia e faz hora extra
Vai ver que é assim, ela pensa enquanto trabalha
Vai ver que no mundo das pessoas grandes pra ser grande é preciso encurtar o tempo
Cresce mais quem estica melhor
Quem consegue arrumar espaço pra mais um não sei o quê no meio de tanto vai saber.

Ela luta todo dia contra a preguiça
E se assusta
Porque antes, quando não era preciso
Ela era a primeira a despertar, levantava inteira, elétrica às 8 da manhã
Irritava
Atrapalhava o sono de todos os outros
Só pensava em acordar, estar em pé, respirar, sentir, amar, comer e viver
Entendia tudo que seu tio Beto ensinou sobre levantar cedo nas férias
Afinal só é possível aproveitar quando estamos de olhos abertos.
Mas agora é tudo diferente
Ela quer cama e chá quente
Vive procurando por silêncio
Implorando por mais cinco minutos de sonho.

Mas ela vence, quase todos os dias
E quando perde se convence de que assim era melhor.
Não esqueceu ainda a mania de ver o lado bom das coisas
E torce, de verdade, pra que isso não se perca
Pra que continue firme na decisão de ser otimista
Que continue vendo cordeiro no meio dos lobos
Porque se assim não é fácil imagine então como seria se ela colocasse mais vezes os óculos
Ela sabe que não iria suportar, e numa tentativa burra de esconder tudo o que já sabe deixa as lentes no sofá
Pra ver nítido só a novela

Falta tempo, pouco tempo
Mas ela ainda é ansiosa
E anseia que isso um dia passe.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A volta

Era um amor escondido,
Ela dizia isso pra não revelar a verdade
E magoar o pobre com a dura e cruel realidade:
Esquecido.
Colocou aquele sentimento na gaveta, logo depois que terminaram
Não se viram mais, nunca mais.
E ela fez questão de odiá-lo
Arrumou outro, muito pior, ela sabia
Mas fazia de conta em seu conto
Que era feliz
Pobre infeliz.
E ficou assim, de mãos dadas com o caso do acaso
Tolerando aquilo tudo por um longo tempo

Precisava de um resgate
E mandou mensagem, um SOS, um sinal, um aviso
até ser socorrida pelo ex.
Ele voltou, recebeu a pequena em seu colo
Despertou nela o amor que dormia
E ela se viu interessada,
Apaixonada só pode fazer uma coisa:
Abraçou.

Estão unidos,
Ele e ela como nunca foram
E ela já anda declarando por aí o amor
Porque já tem um caso sério
Ela e a publicidade

sexta-feira, 24 de julho de 2009

Tia Cacilda

Durante a semana, depois das aulas, esperava ansiosamente que a mãe a levasse para uma tarde feliz na casa da tia Cacilda.
Quando a mãe cedia ela procurava nos armários de sua casa qualquer enlatado ou um punhado de batatas para levar consigo, esquecia as barbies e os jogos e implorava para a mãe que passassem antes no super mercado pra ela comprar ingredientes para a tarde no fogão.
A mãe, sempre carinhosa, acompanhava a filha entre as prateleiras e escolhia com ela coisas fáceis de preparar: milho-verde em conserva, tomate fresco, salsicha, leite condensado e afins.
Despediam-se em frente ao portãozinho e tia Cacilda já ia logo carregando as sacolas da menina e elaborando com ela o cardápio do dia.
Juntas elas montavam um fogão de tijolos no pequeno quintal, a tia acendia o fogo e alertava a menina pra que ela não se queimasse, trazia da cozinha as panelas mais velhas, todas com a tampa errada, e faziam todo o tipo de comida que a imaginação permitisse.
A menina adorava aquilo, preparava tudo com o maior cuidado, provava, mais uma vez, outra, acertava o sal, media a água para o arroz.
A tia, econômica que só, juntava as cascas da batata e depois as fritava em óleo quente, a menina gulosa achava aquilo uma delícia!
Gostava também da maria-mole, do arroz com molho de tomate, da banana frita, do bolo de fubá e da pipoca no fim da tarde.
Antes que a mãe voltasse para buscá-la, tia Cacilda colocava a menina encardida embaixo do chuveiro, esfregava bem os pés vermelhos com a escovinha que fazia cócegas, e entregava a pequena cozinheira assim como ela havia chegado.
No caminho pra casa a menina contava tudo pra mãe, e pedia pra ir denovo no dia seguinte.
Um dia o dia seguinte ficou longe, e a menina cresceu, comprou suas próprias panelas e cozinhava sempre feliz em cima do fogão de verdade.
Mas o tempo voou e não deu tempo.
Ela se ocupou de tanto que só agora sentiu o quanto deveria ter feito um bolo pra aquela tia.
Mas ainda que não seja possível voltar atrás, ela lembra sempre daquelas tardes felizes em volta do fogo no quintal.
E vai mandando sinal de fumaça enquanto prepara o almoço de domingo.

terça-feira, 14 de julho de 2009

sábado, 4 de julho de 2009

O que resta do resto

A gente não se reconhece mais
Deve ser por causa da distância
Porque assim de longe, muito longe, você até parece melhor
Está mais magra, tem um cabelo novo, e ainda tem tempo de lixar e pintar as unhas toda semana.
Você até arrumou um amor, e quem diria agora ama a si mesma!
Assim de longe nada vai mal
Você passeia de uma lado pro outro, sorri seu riso branco, e ergue a cabeça contente.
Daqui parece que você é feliz, que esqueceu aquela deprê constante de tempos atrás
O tempo, vê se pode, virou até seu aliado
Não te deixou marcas e ainda deu conta de apagar aquelas cicatrizes feias que você tinha na alma

E eu não faço esforço pra te ver triste
Pra lembrar teus podres
Mas não me esqueço daquele dia
[E olha que pra isso me esforço]
Em que éramos amigas
Bem de perto
E mesmo encostando naquele monte de defeitos seu
Eu te via bonita
Tão bonita quanto agora

Mas a gente não se vê mais
E eu não sofro mais por isso
Porque te encontrar me deixava tensa, arredia, ansiosa
Agora o que me resta de você aparece só nos sonhos
E neles você é sempre melhor
A melhor amiga de todas que eu já tive.

Tudo no meu lugar

Ontem, depois dos longos dias vazios
Me enchi de você
E reparei que mesmo cheia
Espero que me dê mais
Porque fica sempre um espaço
Um lugar onde não nos misturamos
Aquela parte que reservo apenas pra você
Sem interferir, sem me acrescentar
E ali você é só você
Me dando seu tudo sem me deixar pra trás.

E que aquilo que nos preenche
Aos poucos nunca é demais.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Quando você voltar

Terei comido várias barras de chocolate sem engordar, porque sem você nada além delas me desce e a fome não vem porque já sabe, coitada, que não pode ser saciada.
Terei feito o trajeto casa-trabalho 10 vezes e uma mini-viagem para treinamento sem reclamar nada porque já que você não pode me ouvir eu esqueço de ser ranzinza.
Terei tomado o café que cabe à nós doi porque não sei mais preparar apenas uma xícara e continuo com dó de jogar fora a bebida.
Quando você voltar vou te contar que te vi num sonho, e no próprio sonho você era só um sonho e eu não cansava de repetir o quanto tudo era real, e sentia teu cheiro, teus pés em minhas pernas e tua mão atrás da minha cabeça.
E vou te encher de beijos, daqueles que deixam a boca vermelha, e não vou te deixar passar da cozinha porque não terei paciencia pra esperar o próximo cômodo.
Quando você chegar vou estar no mesmo lugar, esperando tua voz e teu olhar de perto, e quando a gente estiver enroscado vou suplicar-lhe que não me deixe nem mais uma vez porque nada daquilo que eu fazia sozinha faz sentido agora.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

A saudade dela

É uma coisa que ela sente assim, começa aos poucos, do tamanho de um grão de arroz, inofensível, e ela tem a sensação de que pode conter aquilo quando bem entender, mas gosta um pouco de sentir e de tanto gostar vai deixando o arroz virar azeitona, e incomoda, mas ao mesmo tempo transforma tudo que era pouco em muito e ela lembra do amor, e num ritmo mais acelerado que antes a azeitona vida pêssego, e machuca, como se aquele tamanho de coisa não pudesse estar ali, não há espaço, ela começa a sofrer e antes que tente parar as lágrimas já rolaram quentes pelo rosto frio, e começa a ficar tudo vermelho, o nariz, os olhos, as bochechas, e ela abre bem grande a boca como se tentasse tirar de lá de dentro o pêssego que já virou papaya, e se encosta na parede, e o grito não sai e torce o cabelo entre os dedos, anda de uma lado pro outro, pro outro e mais outro, e tudo se movimenta na sua cabeça vazia tão cheia de porquês, tão longe das respostas, e parece que ela não vai aguentar, chega perto do telefone mas não gosta de ligar quando está assim, assim não dá, é perigoso contagiar alguém e não caberia mais uma dor daquelas em planeta nenhum, nem no universo, e quando percebe sufocou e a melancia com casca e tudo fica ali parada, entre o peito e garganta inflamada, e ela tenta chorar mais baixo pra não incomodar os vizinhos, mas quando faz força pra ficar quieta prende na goela um desespero que sem mais nem menos explode em um urro. Silêncio. Vai até o espelho e vê o rosto manchado, esfrega a água gelada na cara pra ver se limpa os vestígios da sua saudade, ela pensa que está febril, mas passa, senta em frente ao computador pra contar pro nada como foi aquilo tudo, antes que o arroz incomode mais uma vez.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Noite e dia

A gente se vê à noite
Naquela hora em que é mais difícil aceitar, bem quando os nervos saltam fora
Depois das horas mais pesadas do dia
Pra lá dos protocolos, dos padrões de atendimento, além das pessoas más e mal-humoradas, do gerente, do supervisor.
A gente se encontra depois das contas, das dicussões, do mal resolvido.
Longe das câmeras de segurança, das ordens, do horário que é sempre o memso.

Depois de tudo que consome o espontâneo, das atitudes mecânicas, das frases feitas.
Quando já se deixou pra trás o uniforme e a maquiagem,
Do lado de fora.
Nosso dentro.

A gente se vê à noite
E cheio de ser dos outros voltamos a ser da gente.
Nós de nós dois, bem atados e estranhamente soltos,
Estamos livres e decidimos ficar acordados
Fazendo nossas caras e encostando nossas bocas
Falando sem pausas, sobre qualquer coisa
Bebendo vinho, assistindo documentários, comentando os fatos e comendo a ceia.

Até quando não dá mais e eu começo a fechar de leve meus olhos pesados
Aí você enrosca sua perna na minha e me chama pra perto de tudo onde eu gosto de estar.
E é ali que ficamos.
Presos um ao outro, distante das armadilhas lá fora
Até a hora de acordar.

sábado, 30 de maio de 2009

perdas e pedras.

Certa vez perdeu a noção do perigo, colocou o irmão pequeno sentado no cano da bicicleta e desceu correndo as 9 quadras que faltavam pra chegar em casa, furando todas as preferenciais, com o vento nos cabelos e as mãos firmes no guidão. No último cruzamento viu o carro se aproximando, mas naquele dia a sorte estava ao seu lado, e como se fosse mágica ela conseguiu frear, e caiu junto com o irmão perto do meio-fio. O homem que dirigia ficou irado, deu uma grande bronca neles e depois contou tudo para a mãe que repetiu o discurso. Mas mesmo com o coração acelerado de medo ela se salvou, reparou o dano com um pedido de desculpas e nunca mais repetiu a travessura. Nem saltou de pára-quedas.

Mais tarde perdeu a chance de ser uma boa aluna, poderia ter passado no vestibular de uma universidade pública, mas foi vencida pela matemática e desistiu antes mesmo de tentar. Em um acordo consigo mesma decidiu que era burra, não valia a pena gastar tardes e noites aprendendo as fórmulas que não saberia usar. Mesmo quando foi fazer faculade não se convenceu de ser capaz, estudava mais, mas invejava a habilidade da colega de classe que agora é reporter de jornal. Trocou de curso e bem lá no fim jogou a favor de si. Ganhou o jogo invertendo o placar.

Não se lembra quantas vezes tropeçou nas pedras, todas pequenas, mas sabe bem o esforço que é preciso fazer para movê-las do lugar, tirá-las do caminho. Custa muito reparar os danos, mas ela sabe que é possível.

Difícil mesmo é se livrar do vício de dizer, e ela diz qualquer coisa, em qualquer tempo. Continua perdendo as oportunidades de ficar quieta, ouvindo, muda. E não sabe como agir a respeito disso porque algo dito não pode ser mudado, e ela tropeça nas palavras soltas, rápidas, muito mais rápidas que seu pensamento. E aquele monte de letra vai ficando no vento e nem mesmo todo o tempo é capaz de dissolvê-las.

Fala tudo de uma vez, não cala, e se arrepende antes mesmo de terminar a frase mal feita.
Bem feito.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

R$16000,00



E então, quanto vale um coração?
Um desses qualquer como o meu e o seu,
fatigado, remendado, cansado, esperançoso
Um coração cheio de boa vida,
De colesterol controlado por vinho tinto e chocolate amargo
E ainda assim um doce, em partes, partido.
Coração que reparte, que guarda rancor, que esfrega na cara, que bate.
Bate a porta da sala, bate no carro da frente, rápido e forte.
Desacelera e respira profundo, bate no ritmo da música.
Dança.

Quanto vale um coração vazio, esquecido, parado?
Um daqueles desprezados, desesperados, amargurados.
Um como o nosso, o meu e o seu.
Que não descansa em dia de chuva, que pula na hora do trovão.
Um daqueles que não dormem.
Coração que apesar de cheio sempre espera mais. E mais.
E de tão mais aperta, e sopra, e esvazia e abraça e enche.
Um coração valente, forte, que desce montanha-russa, salta de bung jump, vê Chico de frente e ainda assim, bate.

Quanto vale tê-lo por perto, ativo, esperto?
Quando é que ele cansa da dança de um passo só?
Marca passo.
Bate no meu ritmo, no seu.
No nosso peito que encara tudo de frente, que não espera nada além do encontro.
Um coração que bate vale mais que ouro.
Um coração preguiçoso vale quase nada.

Vale tudo, de coração.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Sobre mulheres e bolachas

Era quarta-feira e ele saía da piscina contente com a série de braçadas que acabava de executar. Estava cansado mas sentia uma satisfação enorme, daquelas que só muito exercício pode causar.
Entrou no vestiário para tomar uma ducha e pegou uma conversa pela metade, dois colegas de natação travavam o seguinte diálogo:

(sujeito empolgado) - O que é que você vai fazer no fim de semana? Vai pra praia?
(o outro)- Sabe que não sei ainda, você vai pra lá?
(se)- Eu vou, vai ter Garota Verão lá rapaz!
(oo)- Ah é... E o que é que é isso?
(se)- Ah é um concurso mó massa, as menininhas ficam lá andando de biquíni e tal, um monte de gatinha desfilando. Vamo lá cara, o baguio é da hora.
(oo)- hummm, acho que não vou não.
(se)- Ué, não vai porque rapaz?
(oo)- Prefiro ficar em casa vendo TV e comendo bolacha.

...

O rapaz debaixo da ducha teve de espremer a boca pra conter o riso.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Papo de elevador

Voltava do mercado com as mãos cheias de sacolas quando encontrou o vizinho na porta do prédio.
O homem gordo de bigode farto deve ter uns quase 70, usa all star cano longo surrado, bermuda cáqui, camiseta azul e nenhum relógio.
Sem dizer palavra alguma ele abre a porta e a segura até que a menina carregada de morango e suspiro fique a salvo do lado de dentro.

- Obrigada.

Ele acena com a cabeça, boca fechada, nada de dentes.
Ela passa toda a compra pra uma só mão e aperta o botão, enquanto o vizinho fecha a porta da frente ela mantém aberto o elevador esperando ele entrar.

- Obrigado.

Ela acena com a cabeça e fica olhando para o chão. Elevador é mesmo um negócio estranho, constrange a gente sem motivo algum.

- Uma mão lava a outra.

Ele diz isso olhando metade para a menina, outra parte para o chão.

- É verdade.

Ela abre um sorriso tímido e fixa os olhos no all star jeans desbotado e mal amarrado.

- Educação.

Ele deixa a palavra solta no quadrado do elevador e continua:

- Visse o que aconteceu lá no Rio? Se as pessoas fossem educadas nada daquilo aconteceria. Você menina não se contenta com pouco, podia ser só bonita, mas não. Além disso é muito educada.

Ela ri um riso sincero, ele retribui mostando os dentes entre o bigode.
O elevador pára no 6, é o lugar dele.

- Tenha um bom dia menina.
- Você também.

A porta fecha e ela sobe mais dois andares.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

O coelho é de chocolate

Hoje é quinta-feira e logo Páscoa.
E eu sei que ando faltando à missa, e muito, mas hoje senti que quero mais que ovos.
Decidi encarar o espírito da coisa e renascer. Renovar, mudar, aproveitar a oportunidade de rever.
Amanhã eles chegam pra me ver, mãe e Ri, carregados de carinho, afeto e saudade.
E eu vou buscá-los vazia, limpa, com espaço para guardar tudo de bom que me oferecerem.
Comigo vai só o amor. Os dois, abstrato e concreto. E juntos, um ao lado do outro carregaremos as malas e levaremos pra casa um pedação de família.
Finalmente vou contar à minha mãe sobre aquele dia, um Sábado de aleluia muitos anos atrás.
Naquele dia eu fui dormir ansiosa demais para pegar no sono e sem querer, por debaixo do cobertor furadinho, percebi que ela dava passos pequenos pra ajeitar na cestinha de papel um ovo bem grande e vermelho. Fiquei bem triste, mas não contei nada para o Ri, afinal já havia dito que Papai Noel era lenda e ele muito otimista não acreditou em uma só palavra, jurando e gritando que se ele ganhou um carrinho era porque Papai Noel trouxe, oras!
Ontem recheei a casa de ovos e bombons para esperá-los, mas não vou repetir a cena da páscoa passada, aquela em que comi um número 15 inteiro em uma só sentada, intercalando pedaço branco com preto e depois preto e branco juntos, branco mais uma vez, preto, até que sobrasse todo o papel amassado no meu colo.
Esse ano vou sentir o gosto doce do chocolate amargo, devagar, diferente.
Vou dividir todo o chocolate que costumava esconder do Ri quando a gente era pequeno.
Vou cozinhar o almoço de Domingo e deixar minha mãe sentada na cozinha com uma taça de vinho, seu cigarro light e toda nossa conversa atrasada no ar.
Nessa Páscoa quero ressurgir.
Com as mãos sujas de chocolate.
A nova Páscoa de Leticia está começando agora.

Uma Nova Páscoa para todos que passam por aqui,

segunda-feira, 30 de março de 2009

Passo a passo

Aquilo era a primeira coisa a ser considerada.
Sempre que conhecia alguém começava logo a analisar seus gestos e palavras, o diagnóstico era rápido, em minutos tinha, ou não, um novo amigo.
Há muito tempo não encontrava alguém que passasse pelo teste, concluiu que estava mesmo difícil estreitar laços.
Não era um problema dela, era uma coisa haver com o mundo, um desencontro de rotação, estação e horário.
Um eclipse.
Mas nunca desistiu, e sempre que ouvia um novo nome começava em silêncio sua checagem.
Conheceu gente engraçada, inteligente, animada. Mas não fez mais amigos.
Até aquele dia no bar, lá em Maringá.
Sentaram perto uma da outra e desembestaram uma conversa louca, sem freios.
Ponto, era assim que ela gostava.
E a menina era amiga dele, o que também contava.
Depois de algumas horas regadas a cerveja foram embora.
E enfim se abraçaram, e passaram muito bem pela primeira coisa a ser considerada.

domingo, 22 de março de 2009

Era o fim no fim de tarde



Enquanto esperava a passagem da gripe deitou-se envolta por livros no tapete verde da sala, lá perto do seu pé descalço com cheiro de melissa nova uma listra de sol ia se aproximando ao mesmo tempo em que ficava estreita.
Era linda.
Ela esticou as pernas, fez um arco com o pé e tentou tocar com a ponta do dedo aquele pedaço de calor.
De repente sentiu-se feliz. Imensamente feliz.
Riu um riso solto e sincero.
Enfiou os dedos no meio dos cachos bagunçados, fungou o nariz machucado e até conseguiu respirar profundo como há dias não era capaz.
Fechou os olhos para despedir-se da gripe e percebeu que os dias não eram mais de verão.
Ficou aliviada como nunca ficara, era costume seu aproveitar o sol, ficar marrom - caramelo, e lamentar o vento frio.
Mas naquele momento estava tudo diferente, e com muita força e vontade ela quis um ventinho de inverno no rosto branco feito neve.
Era fim de tarde quando o abriu os olhos, estava esticada, com os braços pra cima da cabeça e os pés em ponta.
A listra de sol cruzava sua coxa.
Ela viu e sorriu.
Levantou num pulo para acordá-lo com um beijo sem gripe.
Deu boa tarde para o amor.
E amou-se.

Gribe

Gribada.
É assim que bai bibendo os dias.
Descongestiodante dasal, antinflabatório, pastilhas, qualquer bolinha anti-resfriado.
Atchim!
Saúde.
E dem as garfadas do beio-dia tem sabor. Um horror.
Sopa da boa antes de dorbir.
Rolos de babel higiênico levam embora tudo que sai de dentro do dariz verbelho.
Até abanhã.

Atchim!

domingo, 15 de março de 2009

Beijo me liga.

Quando toca o telefone ela se liga.
Corre pra atender a mãe que liga.
Estão ligadas, uma à outra, mesmo quando desligam.
Ligam tanto uma pra outra que outra e uma já têm certeza do amor.
Infinito.

Quando toca o telefone ela desliga do resto do mundo,
E se liga na voz do outro lado:

- Oi mãe!

sexta-feira, 13 de março de 2009

Tempo amigo seja legal conto contigo pela madrugada

Em sua batalha diária contra o tempo encontra tempo pra tudo:
Estudo, trabalho, casinha, e-mail, livreto, muffin e banho.
Guarda a apostila na gaveta do estoque.
Vende tudo da 13:00h à 21:00,
Põe a louça, estica a cama e pinta as unhas com creme no cabelo.
Pra ganhar tempo do tempo que corre, parou de correr.
Escreve para aquelas que ama, também com creme no cabelo.
Escreve pra si própria e chama tudo de livro. Com creme no cabelo.
Cozinha pequenos bolinhos que aos montes matam a fome deles.
Quando é perto da meia-noite toma seu banho de gata.
É o gato quem tira todo aquele creme de seu cabelo.
Dorme no resto do tempo que resta.
Antes que acabe, reza.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Era uma vez...




Uma menina que tinha tudo,
Não sabia de nada,
E foi feliz como sempre.

Fim. (ou começo)

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

É só vontade de fujir

Ela queria mesmo é um rio bem claro, igual àqueles que conheceram na viagem ao MS.
Um rio que corre levando a gente por cima, boiando, sem fazer esforço algum.
E aí ela fecharia os olhos para tudo ao redor, ficaria a sós com a água gelada encharcando o cabelo
Lá em cima é sol pra amenizar a temperatura
Em baixo tanto faz
Nada importa
E quem decide o curso é a vida
A ela cabe apenas escorrer
De olhos fechados
E peito aberto.

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Se pudesse ia embora hoje mesmo
Mesmo que hoje seja tarde demais.

Das coisas de dentro

A mão da gente vai suando, e fica alternando calor e frio
Frio gelado, daquele que deixa a junta azulada, quase roxa
É uma espécie de febre misturada com ansiedade e paixão
Um treco estranho que começa no estômago, feito dor de barriga ou fome. Não se pode saber ao certo.
Não passa de repente, mas chega assim, sem mais nem menos
E consome.
E fim.